O exame clínico é a técnica médica mais antiga utilizada na obtenção de informações gerais. Ele leva à compreensão sobre a situação do paciente atendido e assim pode-se diagnosticar e direcionar o melhor tratamento.

Na neurologia, atualmente, por mais que tenhamos disponíveis modernos meios de diagnóstico, o exame clínico, incluindo histórico de saúde e sinais físicos, ainda se faz como uma importante ferramenta aos médicos no diagnóstico de distúrbios neurológicos.

Trazendo esse tema para minha realidade, lembro-me de um fato que vivenciei em meados dos anos 60 que marcou muito a minha memória. Acredito ter sido de fundamental importância para o início do processo de investigação diagnóstica da minha patologia, por mais que a palavra conclusiva, de que era portador de Miopatia Congênita Centronuclear, só tenha sido dita 40 anos mais tarde.

Naquela época, com 5 anos de idade, meus pais já haviam peregrinando por vários médicos em busca de diagnóstico. Viviam com questionamentos e dúvidas quanto a minha situação física apresentada desde meu nascimento. Resolveram, então, me levar à consulta com um importante neurologista do Brasil.

Os recursos para diagnóstico disponíveis na época, assim como o conhecimento médico acerca de algumas doenças, eram bem limitados. Contudo, o exame clínico era um procedimento de que os médicos podiam se valer.

Quando disse que aquela consulta ficou marcada na minha memória, lembro que foi tudo meio traumático, porque, na ocasião, o médico pediu que eu me deitasse no chão e, em seguida, que me levantasse e que me colocasse de pé … pedido muito estranho, autoritário, e tarefa fisicamente difícil para mim. Senti que meus pais ficaram também desentendidos com aquela situação.

No final da consulta, o médico deu seu parecer aos meus pais, que acredito ter sido as primeiras palavras sobre o que vinha ser um diagnóstico, ou seja, de que eu era portador de uma “doença muscular”. Isso aconteceu graças àquele teste de me levantar.  Tratava-se do sinal clínico chamado de SINAIS DE GOWERS, também conhecido como manobra do levantar miopático.

A fraqueza da musculatura proximal em uma criança, muitas vezes é associada a uma doença neuromuscular e pode ser avaliada pela MANOBRA DE GOWERS.

Os músculos proximais são os músculos que se encontram próximos do tronco, incluindo a parte superior das pernas, quadril, a parte superior dos braços, os ombros e o próprio tronco.

Na Manobra de GOWERS, pede-se que a criança se deite no chão com a barriga para cima e levante até se colocar de pé. A manobra é positiva (sinalizando fraqueza muscular proximal) quando a criança se apoia no chão, e literalmente precisa escalar o próprio corpo, ou as coxas para se levantar (ver figura).

Manobra de Gowers - 1). A criança deitada com a barriga para cima, para se levantar, dado a sua fraqueza muscular, 2). precisa rolar, se colocando de bruços, estendendo seus braços e pernas separados, 3). com a maior parte do peso do tronco apoiando nos braços estendidos, se empurra o corpo para trás para transferir o peso do tronco para as pernas estendidas. 4). Para estender o quadril, a criança coloca as mãos nos joelhos, 5). e sobre os braços pelas coxas, 6).  como se estivesse escalando o próprio corpo, 7).  até ficar de pé.

A Manobra de Gowers são sinais de movimentação física descritos e deixado como contribuição para a ciência neurológica, oriundo de observações feitas por Sir William Gowers. Gowers, foi um neurologista, Inglês do final do século XIX, que passou sua vida profissional trabalhando no National Hospital for the Relief and Cure for the Paralyzed and Epileptic e no University College Hospital na Queen Square, em Londres, Reino Unido, e após suas próprias observações clínicas, deixou registrado em seu livro Manual of the Diseases of the Nervous System, a descrição dos Sinais de Gowers, composto por uma sequência de sinais observados durante movimentação física, e que eventualmente poderá indicar fraqueza muscular proveniente de uma patologia neuromuscular.

Por fim, gostaria de terminar esse texto destacando os Sinais de Gowers por sua grande importância no exame clínico durante a consulta médica e eventual diagnóstico de uma doença muscular.

Abordagem Respiratória na Miopatia Centronuclear

Por: Alessandra C. Dorça

 

As Miopatias Congênitas Centronucleares (CNMs) são um grupo de doenças neuromusculares hereditárias classificadas como miopatias congênitas. Embora vários genes causadores tenham sido identificados, alguns pacientes não abrigam nenhuma das mutações atualmente conhecidas. Esses diversos distúrbios têm características histológicas comuns, que incluem uma alta proporção de fibras musculares com núcleo central, e atributos clínicos de fraqueza muscular e insuficiência respiratória.

Neste texto será abordado especificamente sobre questões respiratórias. As alterações respiratórias podem se manifestar inicialmente durante o sono, mas sintomas diurnos e dificuldade de proteção da via aérea predominam à medida que a disfunção muscular respiratória evolui para mais grave.

A avaliação respiratória do indivíduo afetado é fundamental para acompanhar o comprometimento muscular. A capacidade muscular respiratória pode ser avaliada usando uma variedade de testes clínicos, como análise de capacidades pulmonares, forças musculares inspiratórias e expiratórias, e pico de fluxo de tosse.

O comprometimento respiratório costuma ser a maior causa de morte, já que algumas formas mais graves apresentam hipotonia e fraqueza de região faríngea, ocasionando distúrbios de deglutição e comprometimento respiratório recorrente devido a pneumonias bronco aspirativa. Nestes casos a indicação precoce da sonda gástrica pode ser de fundamental importância.

A disfunção dos músculos respiratórios pode ser agravada por restrições mecânicas que aumentam a carga respiratória, incluindo baixa complacência pulmonar, defeitos restritivos musculoesqueléticos na parede torácica e cifoescoliose.  Com a evolução da doença, a fraqueza da musculatura bulbar ocasiona episódios recorrentes de engasgos, e a troca espontânea da consistência alimentar pode facilitar a mastigação favorece a deglutição.  As manifestações funcionais da insuficiência dos músculos respiratórios podem incluir distúrbios do sono, fadiga, tosse ineficaz e hipoventilação.

As várias mutações genéticas das miopatias possuem progressão diferente, mas a  diminuição da capacidade motora ocasiona, por consequência a diminuição do volume corrente e do tempo inspiratório com aumento concomitante da carga elástica e diminuição comprimento-tensão musculares em volumes pulmonares mais altos. O resultado funcional é um padrão respiratório rápido e superficial, necessidade de suporte ventilatório para manter a capacidade elástica muscular, e evitar a restrição severa da caixa torácica.

O quadro a seguir apresenta as características clínicas nas miopatias causadas por mutações nos diversos genes:

 

Cuidados Respiratórios nas Miopatias Congênitas Centronuclear (CNMs)

As várias mutações genéticas que causam as miopatias centronucleares apresentam progressões variadas, principalmente relativo à velocidade da evolução da doença.  No caso, a progressão lenta ou mais acelerada traz a necessidade de cuidado respiratório próximo, fazendo assim necessário uma Avaliação Respiratória Funcional, visando uma objetiva e eficaz Abordagem Terapéutica Respiratória (tratamento).

 

Avaliação Respiratória Funcional

A avaliação respiratória funcional é capaz de acompanhar a velocidade de progressão da doença, e assim direcionar as abordagens necessárias em cada momento da doença, e deve ser realizada a cada 6 meses, desta forma as abordagens preventivas poderão minimizar as complicações da patologia, como segue:

1 - Avaliação da capacidade pulmonar

CVF (Capacidade Vital Forçada) - A prova de função pulmonar é capaz de predizer a capacidade vital e correlacionar com a idade e o peso, desta forma é possível verificar o comprometimento no volume pulmonar devido a diminuição da força dos músculos respiratórios. A CVF (Capacidade Vital Forçada) orienta a necessidade de suporte respiratório.

2 - As forças musculares respiratórias, PIMAX (pressão inspiratória máxima), e PEMAX (pressão expiratória máxima), são mensuradas através da Manovacuometria.

PIMAX - é a pressão inspiratória máxima, e reflete o valor da força muscular inspiratória, ou seja, a força diafragmática. O diafragma é o maior musculo da respiração e corresponde a 50 % da capacidade de geração de volume pulmonar. A fraqueza diafragmática favorece a hipoventilação noturna, a dificuldade de geração de volume pulmonar e restrição respiratória.

PEMAX - é a pressão expiratória máxima, e reflete o valor da força da musculatura abdominal, que é responsável pela centralização da força do tronco, auxilia a tosse e favorece o movimento de expiração e auxilia explosão da tosse, o que proporciona a melhor proteção pulmonar

3 - Pico de Fluxo de Tosse (PFT)

A tosse é o principal mecanismo de proteção da via aérea. Para a efetividade da tosse é necessário a sinergia de vários músculos da região laríngea, glote, e músculos abdominais.   A avaliação do pico de fluxo de tosse é capaz de predizer a força desta musculatura, e a sincronia no movimento. O comprometimento da musculatura bulbar tem como resposta inicial a diminuição do pico de tosse.

Avaliação respiratória das forças musculares ( Micro RPM), prova de função pulmonar (Mini Spir)

 

Abordagem Terapáutica Respiratória - Tratamento

A fisioterapia respiratória é responsável pela minimização dos comprometimentos respiratórios nas miopatias centronucleares, pois interfere na progressão da perda muscular, minimiza as complicações da perda de capacidade pulmonar, mantem a funcionalidade respiratória como fala, deglutição e tosse. Fazem parte das estratégias utilizadas no tratamento:

 

 

 

Fig 1 -Exercício de empilhamento de ar  \ Fig 2 - Exercícios respiratórios para manutenção da capacidade pulmonar e treinamento da musculatura bulbar (ambos utilizando a bolsa de insuflação (ambu)

 

O cuidado respiratório deve ser uma prioridade nos portadores de Miopatia Centronucelar, e o profissional deve ser capaz de identificar a alteração funcional e correlacionar com a melhor terapia a ser aplicada, sendo esta a melhor estratégia para evitar maiores complicações para o paciente.


Bibliografia Consultada:

Smith BK, Goddard M, Childers MK. Avaliação respiratória nas miopatias centronucleares. Nervo Muscular 2014;50(3):315-326. doi:10.1002/mus.24249

Benditt JO. Respiratory Care of Patients With Neuromuscular Disease. Respir Care. 2019 Jun;64(6):679-688. doi: 10.4187/respcare.06827. PMID: 31110036.

crossmenu