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SORRYR-1 É A CAPACIDADE DE SE RECOBRAR OU SE ADAPTAR ÀS ADVERSIDADES DA VIDA

abril 5, 2022

SORRYR-1 É A CAPACIDADE DE SE RECOBRAR OU SE ADAPTAR ÀS ADVERSIDADES DA VIDA

UM TESTEMUNHO DE VIDA DE UM PORTADOR DE MIOPATIA CONGENITA CENTRONUCLEAR EM MEIO ÀS ADVERSIDADES DA DOENÇA

A Fundação RYR-1 sediará em julho de 2022 o primeiro Workshop Internacional de Pesquisa em Doenças Relacionadas ao RYR-1,  reunindo um grupo internacional de especialistas, cientistas pesquisadores, assim como um seleto grupo de indivíduos afetados por uma doença relacionada ao RYR-1.  Neste encontro deverá acontecer um intercambio de informações sobre os mecanismos das doenças relacionadas ao RYR1, a posição atual sobre as pesquisas em curso e perspectivas futuras de tratamentos, mas o mais importante para nós afetados pela doença, é que teremos a oportunidade de expor nossas experiências, queixas, como a doença evolui e nos afeta no dia a dia.

Eu, como portador de Miopatia Congênita Centronulear, fui um dos indivíduos convidados a participar deste encontro, e pretendo na oportunidade oferecer insights pessoais visando ajudar os pesquisadores e clínicos a entender melhor como essa doença afeta nossos corpos nas várias fases e situações da vida. Para melhor conhecimento dos cientistas e pesquisadores presentes, nós convidados, deveremos fazer uma apresentação pessoal, como um histórico de toda a vida sobre nossa relação com a doença.

Em última análise, a partir de nossas histórias, fico na esperança que os cientistas com a compreensão aprimorada, possam mediante as informações recebidas incrementar suas pesquisas para produção de drogas e terapias eficazes em nosso benefício.

Atendendo a sugestão de pessoas que previamente tomaram conhecimentos do meu histórico de vida, reproduzo abaixo o texto base sobre o que será minha exposição no referido evento, o tornando assim de conhecimento de todos.

 

Meu nome é Orlando, brasileiro, moro em Goiânia, GO, cidade localizada na região centro oeste do Brasil. Minha história de vida começa em 1963, e este texto está focado na minha saúde física. Gostaria de começar dizendo que apesar de não ter sofrido complicações durante a gravidez da minha mãe, nem problemas no parto, meu desenvolvimento físico foi marcado desde o início da minha vida pelo atraso motor e pela hipotonia já notada no primeiro ano de vida. Vale ressaltar que eu já tinha um casal de irmãos fisicamente normais, livres de doenças.

 

Na época, em meados da década de 1960, diante das limitações científicas e do pouco conhecimento médico disponível em Goiânia, cidade onde morava, aos 7 anos, meus pais decidiram ir em busca de explicações e diagnóstico sobre o que estava me afetando fisicamente, e assim fomos para São Paulo, um grande centro médico do Brasil. Eu já apresentava marcos motores preocupantes, como a manobra de Gowers, dificuldade para subir degraus, dentre outros. Uma biópsia muscular veio comprovar relatando sinais inusitados e inespecíficos no tecido (somente coloração de H&E e trinômio de Masson), mas o neurologista limitou-se a dizer que eu estava acometido por uma potencial doença neuromuscular, e não foi indicado nenhum tratamento a ser realizado.

 

Em 1970, nasceu minha irmã, o que na época causou à família um misto de alegria pelo seu nascimento, mas preocupação porque ela já dava sinais claros de que também era acometida pela mesma doença inespecífica que me acometia. Meus pais, preocupados com a situação decidiram levar eu e minha irmã, ainda bebê, para outro grande centro médico, desta vez para o Departamento de Estudos Neurológicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lá, mais exames foram realizados, incluindo um eletromiografia, e desta vez nos foi dada uma hipótese de diagnóstico clínico de um tipo de Distrofia Muscular. Na ocasião o médico conversou com meus pais sobre as características e prognóstico daquela doença, assim como recomendou cuidados especiais com exercícios físicos para evitar uma possível progressão da doença, mas nada foi indicado como tratamento.

 

Durante minha infância e adolescência, mesmo considerando minhas dificuldades e as claras diferenças em relação às outras crianças, fui muito ativo, e tentei fazer tudo, nadei, andei de bicicleta, enfim, brinquei muito. Fui criado e ensinado de uma forma que não focava no que eu não podia fazer, mas no que eu queria e era capaz de fazer dentro das minhas habilidades. Ao longo dos anos, experimentei um padrão de piora física lenta, mas constante, tais como a dificuldade em subir escadas, levantar de uma cadeira, andar, manter o equilíbrio e riscos de queda. Emocionalmente também sofri muito por vezes me sentir diferente dos meus colegas, mas ao mesmo tempo em que fui fortemente apoiado pelos amigos e familiares, me fazendo sentir normal, mesmo sendo uma criança fisicamente anormal.

 

As dificuldades que sempre enfrentei na vida, me fizeram desenvolver um instinto de superação e de busca pela Independência. Casei-me muito jovem, aos 19 anos, quando ainda cursava faculdade. Já casado, aos 21 anos, mudamos para os EUA fazer meu MBA. Naquela época pensavaos em ter filhos, mas diante da falta de conhecimento e certeza sobre a doença que me acometia, por termos ouvido falar do MDA - Associação de Distrofia Muscular, fomos lá em busca de respostas e aconselhamento. Fomos a uma clínica associada em Austin, Texas, cidade onde morávamos, e consultados pelo Dr Jerry Tindel, que após uma bateria de exames, recebi o diagnóstico de Distrofia Muscular, sugerindo ser do tipo FSH-Facioscapulohumeral. Na consulta me foi explicado sobre a gravidade da doença, seu prognóstico, a probabilidade de ter um filho também afetado pela doença, e concluir dizendo que em poucos meses eu estaria em cadeira de rodas, contudo, nenhum tratamento me foi prescrito.

 

De volta ao Brasil, a vida continuou, e nos anos que se seguiram, as décadas de 1980 e 1990, minhas dificuldades físicas aumentaram, era sinal da evolução da miopatia, eu não conseguia mais me levantar de uma cadeira, e precisava usar uma bengala para apoiar minha caminhada e equilíbrio, mas ao contrário do que o médico do MDA tinha dito, eu não precisava de usar cadeira de rodas. Neste período estive muito envolvido com meus projetos profissionais e familiares. Eu tive um casal de filhos, e ambos nunca mostraram sinais de serem afetados pela doença. Luciano, meu filho mais velho, apesar de ter falecido aos 23 anos vítima de leucemia, durante sua vida como prova de sua capacidade física se tornou atleta de triathlon, e conquistou a medalha de bronze aos 20 anos no Campeonato Mundial de Triatlo em Vancouver, Canadá, o que demonstrou não ser portador de nenhuma miopatia. Priscila, nossa filha caçula, hoje é médica e casada, e é fisicamente normal, mas carrega uma mutação no gene RYR-1.

 

No ano de 2000, incomodado com a progressão e piora física com aumento da limitações impostas pela doença, porém não tão grave como dizia em 1985 o médico do MDA, fui novamente em busca de respostas, e desta vez acreditando na evolução científica marcada pela mudança do século. Procurei pelo que existia de mais avançado na ciência, e fui consultado pela Dra Mayana Zatz, geneticista do Departamento de Genética Humana da USP - Universidade de São Paulo, em busca de um diagnóstico, contudo, mais uma vez me viram como portador de uma Distrofia Muscular, mas novamente sem um laudo conclusivo.

 

Inconformado com a imprecisão dos hipotéticos diagnósticos que recebi no decorrer da minha vida, finalmente, em 2007, aos 44 anos, conheci o Dr Acary Bulle Oliveira, neurologista e chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo, e sendo consultado por ele, finalmente recebi um diagnóstico clínico e conclusivo, corroborado por biópsia muscular que evidenciou anormalidades da rede intermiofibrilar típicas de uma Miopatia Congênita Centronuclear, bem como resultado de exame genético e pesquisa com sequenciamento total do exoma mostrando alteração (mutação) no gene RYR1.

 

Dada a raridade da miopatia que me afeta, minha idade e situação física, e evolução da doença, em 2017 fui convidado a visitar o NIH - National Institutes of Health, Bethesda, Maryland, EUA, e consultado pelo Dr Carsten Bonnemann, MD., Senior Investigator and Chief of the Neuromuscular and Neurogenetic Disorder me coloquei a disposição para participar de eventual estudo de pesquisa. Esse momento foi muito impactante na minha vida, pois pela primeira vez percebi que haviam pessoas interessadas na minha doença, e que já estavam desenvolvendo pesquisas em busca de tratamento e até de cura. Na época, outro grande marco foi ter sido apresentado à Fundação RYR1, que é uma associação que visa reunir pessoas afetadas por doenças relacionadas ao RYR1 de todo o mundo, promover a troca de experiências entre os participantes (afetados e familiares), além de apoiar cientistas e laboratórios que trabalham no desenvolvimento de medicamentos para tratamento, a até a terapia genética curativa. Enfim, toda essa experiência me fez ver e prever algo que nunca tinha pensado, que é a cura, ou pelo menos a existência de um medicamento para tratar ou aliviar os efeitos da Miopatia Congênita Centronuclear.
(este texto foi escrito originalmente em inglês, e traduzido para o português  para esta postagem)

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