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Meu nome é "SorRYR-1" - (Orlando, 60 anos)

novembro 26, 2023

Meu nome é "SorRYR-1" - (Orlando, 60 anos)

Meu nome é Orlando Alves Carneiro Junior, brasileiro, moro em Goiânia, estado de Goiás, Brasil. Minha história começa em 1963, ano em que que nasci, e em seguida contarei um pouco de mim com foco no meu histórico de saúde física, especificamente tratando sobre a Miopatia Congênita Centronuclear, doença que sou portador desde meu nascimento. Apesar de não ter sofrido complicações durante a gravidez da minha mãe, assim como nenhuma intercorrência com o meu parto, meu desenvolvimento físico foi marcado desde o início da minha vida pelos atrasos com as questões motoras e pela hipotonia já percebida no primeiro ano de vida.

 

Naquela época, meados da década de 60, meus pais, diante das limitações científicas e do pouco conhecimento médico disponível na cidade onde morava decidiram ir em busca de explicações sobre o que me afetava fisicamente.  Eu tinha 7 anos de idade quando então fomos para São Paulo em busca de um diagnóstico, na época um importante centro médico do país. Durante a consulta com Dr. Veras, tido como importante neurologista, ele pôde verificar que eu já apresentava questões preocupantes com meus marcos motores, dentre eles a manobra de Gowers, sinal de Trendelenburg, e dificuldade para subir degraus. Além dos testes, foi realizado uma biópsia muscular, constando sinais incomuns e inespecíficos nas fibras do tecido, diferentemente de uma célula muscular normal. No final, o especialista de posse de todos resultados, limitou-se a dizer que eu era portador de um potencial distúrbio neuromuscular inespecífico, mas nenhum tratamento foi indicado para ser realizado, a não ser acompanhar a eventual evolução da doença.

 

Em 1970 nasceu minha irmã, o que na época causou na família um misto de alegria pelo seu nascimento, mas preocupação porque ela já apresentava sinais claros da mesma doença inespecífica que me acometia. Meus pais, preocupados com a situação, decidiram levar a mim e minha irmã para consulta a um outro grande centro médico, desta vez para o departamento de estudos neurológicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lá passamos por uma junta médica, e em complemento às informações reunidas quando de minha consulta anterior relatada, foram realizados outros exames clínicos, além de um eletromiograma. Desta vez o relatório médico foi dado a meus pais com a hipótese de diagnóstico clínico de que erámos portadores de Distrofia Muscular. O médico conversou com meus pais sobre as características e prognóstico da doença, recomendou a limitação de exercícios físicos para evitar a progressão da doença, e mais uma vez nada foi indicado como tratamento. Naquela época o pouco que se sabia sobre a distrofia muscular, era sobre a do tipo Duchenne, e que seu prognóstico tanto de evolução da doença, quanto de expectativa de vida não era nada animador. Diante de tudo isso, dá para se imaginar o estado emocional dos meus pais, mas pasmem, incrivelmente meus pais voltaram para Goiânia, e que ao contrário de abatidos, entendo que eles tomaram toda aquela carga de informações negativas para alimentarem em nós o espírito de resiliência e superação, para vivermos maximizando nossas capacidades e possibilidades, a despeito das dificuldades iriamos enfrentar no curso de nossas vidas.

 

Na minha infância e adolescência, considerando minhas dificuldades, e as diferenças nítidas que tive em relação às outras crianças, procurei ser sempre muito ativo fisicamente, busquei fazer “do meu modo” tudo que conseguia fazer, neste sentido, eu nadei, andei de bicicleta, enfim, brinquei muito. Fui criado de uma forma que não focava no que não podia fazer, mas no que queria e era capaz de fazer dentro da minha capacidade física. Neste período, com relação à doença, ao longo dos anos, experimentei um padrão de piora lenta, mas constante, como o aumento da dificuldade para subir escadas, levantar-me depois de sentado, caminhar, manter-me em equilíbrio, além dos eminentes riscos de quedas. Durante esse período da minha vida, tive muitas questões emocionais, pois sofri muito por às vezes me sentir diferente e inferior aos meus amigos, assim como por não conseguir acompanhá-los em suas atividades, contudo era imediatamente apoiada por eles e meus familiares. Só tendo a agradecer a Deus por tudo isso, porque segundo o psicólogo e pesquisador Holland, a personalidade é formada durante esta fase da infância e adolescência, e o resultado além de ter um peso da genética, é fruto das experiências nessa fase da vida e a influência de amigos, mas sobretudo das figuras parentais

 

As dificuldades que sempre enfrentei na vida, me fizeram desenvolver um instinto de resiliência, superação e busca por minha independência. No ano de 1983, com 19 anos, casei-me com Sissi, época que ainda cursava a faculdade, e em 1985, ao me graduar, nos mudamos para os EUA fazer meu MBA. Naquela época, casado, e planejando ter filhos, mas que diante das incertezas e falta de conhecimento sobre a doença que me acometia, ouvimos falar sobre o MDA - Associação de Distrofia Muscular, e lá fomos em busca de respostas e aconselhamento. Nos dirigimos a uma clínica conveniada ao MDA em Austin, Texas, cidade onde morávamos, e consultados pelo Dr. Jerry Tindel, após ter me submetido a uma bateria de exames, recebi a confirmação de diagnóstico de Distrofia Muscular, sugerindo naquele momento ser do tipo FSH -Facioscapulohumeral. O médico explicou sobre a doença e sua gravidade, prognóstico, e mediante um “aconselhamento genético”, sem que tenha sido feito teste genético, até porque na época isso não existia, disse sobre a probabilidade de ter um filho também afetado pela doença, e concluiu por dizer que dentro de alguns meses eu deveria estar em uma cadeira de rodas.

 

De volta ao Brasil a vida continuou e nos anos que se seguiram, décadas de 80 e 90, apesar de minhas dificuldades físicas terem aumentado, e não conseguir mais me levantar de uma cadeira e ter que usar uma bengala para equilíbrio e me apoiar durante minha caminhada, estava contrariando sobre que disse o médico do MDA, eu não usava cadeira de rodas. Neste período, estive muito envolvido com meus projetos profissionais e familiares, mas o acontecimento mais importante foi a benção de Deus de ter me tornado pai de dois filhos, Luciano e Priscila.  Luciano, meu filho mais velho, apesar de ter falecido aos 21 anos vítima de leucemia, causada por complicação de tratamento contra câncer, como prova de sua saúde física, era triatleta, e conquistou a medalha de bronze aos 20 anos no Mundial de Triatlo de Vancouver, no Canadá. Priscila, filha caçula é casada, médica oncologista, fisicamente normal, mas carrega a mutação no gene RYR-1.

 

No ano 2000, incomodado com a constante progressão e aumento da limitação física imposta pela doença, contudo não tão grave como disse o médico do MDA em 1985, por não sentir segurança nas hipóteses de diagnósticos recebidos até então, fui consultado pela equipe da Dra. Mayana Zatz, do Departamento de Genética Humana da USP - Universidade de São Paulo, em busca de ter um diagnóstico conclusivo e, consequentemente de um eventual tratamento, contudo, no final, mais uma vez voltei para casa sem uma resposta conclusiva.

 

No ano de 2007, tomei conhecimento sobre um médico, que me foi dito que seria no Brasil a porta de entrada de informações sobre o que estava acontecendo no mundo a nível de pesquisas acerca das doenças neuromusculares. Assim, fui de encontro para uma consulta com aquele médico no Ambulatório Público de Doenças Neuromusculares da UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo, conhecendo assim o Dr. Acary Bulle Oliveira, neurologista e chefe do setor daquela instituição. Na consulta, durante os exames clínicos, Dr. Acary, não titubeou por dizer que meu diagnostico não era de distrofia muscular, e propôs a fazer ali mesmo a coleta de material para uma biopsia. Corroborado pela referida biópsia muscular que mostrou alterações da rede intermiofibrilar típicas de Miopatia Congênita Centronuclear, e posteriormente com o resultado de exame genético e pesquisa mostrando alteração no gene RYR-1, com sequenciamento total do exoma, aquela consulta culminou finalmente, após 44 anos de espera, com o meu tão desejado diagnostico conclusivo sobre a doença que me afetava.

 

Dada a raridade da Miopatia Congênita Centronuclear, a minha idade e evolução da doença, em 2017 fui convidado pelo Dr. Carsten Bonnemann, MD., Investigador Sênior e Chefe do Distúrbio Neuromuscular e Neurogenético do NIH - National Institutes of Health, Bethesda , Maryland, EUA, para ser consultado e ter minhas informações como parte de uma pesquisa em desenvolvimento. Essa oportunidade foi muito impactante na minha vida, pois pela primeira vez tomei conhecimento de que havia outros individuos como eu, assim como outras pessoas que se interessavam pela doença e que já trabalhavam no desenvolvimento de pesquisas em busca de tratamento e até a cura da doença. Naquela oportunidade me foi apresentado também a Fundação RYR1, uma associação que visa reunir indivíduos afetados pela doença e seus familiares, pessoas estas de toda parte do mundo, visando levar o conhecimento e promover a troca de experiências, além de apoiar financeiramente cientistas e laboratórios que trabalham no desenvolvimento de medicamentos para tratamento e terapia genética curativa. Enfim, toda essa experiência me fez ver e prever algo que nunca havia pensado, que é a cura, ou pelo menos a existência de um medicamento para tratar ou amenizar os efeitos e problemas da Miopatia Congênita Centronuclear.

 

Concluindo este relato sobre a minha vida enquanto pessoa portadora de Miopatia Congênita Centronuclear, hoje com 60 anos (novembro de 2023), resumiria tudo fazendo algumas pontuações: primeiro, nunca questionei a Deus, e a ninguem sobre o porquê de ter nascido com essa doença, porque tenho comigo a resposta de Jesus em João 9:3 em que Ele disse, "ninguem errou para que tenha nascido com essa deficiência, mas foi assim para que se manifestem em mim as obras de Deus", e talvez seja este meu testemunho de vida e razão de viver;  segundo, com relação as questões fisicas, diria que apesar da evolução da doença, a prática de atividade física, ou o movimentar revela-se essencial e único tratamento na prevenção do agravamento da doença e manutenção da qualidade de vida, parafrazeando o Dr. Acary, "o RYR-1 é movimento"; e por último, e como já disse anteriormente em outra postagem, pode parecer irônico, mas quando deu nome a este site de SorRYR-1, rementendo o "Sorrir" a minha miopatia relacionada à mutação no gene RYR-1, quero me referir a levar a vida com leveza, focando no positivo, desprezando as impossibilidades e limitações que me são impostas, além de exercitar e potencializar as possibilidades que tenho, superando assim meus limites.

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