A Miopatia Congênita Centronuclear é uma condição neuromuscular rara, com características de progressividade, e que pode levar a diversas complicações, incluindo problemas ortopédicos, como já relatado em postagem anterior (clique aqui), mas também podem ocorrer complicações respiratórios. As questões respiratórias podem surgir devido à fraqueza muscular que afeta os músculos respiratórios, resultando em dificuldades na ventilação e na troca gasosa. Para melhor entender o contexto desta questão das complicações respiratórias em indivíduos com miopatia relacionada ao RYR-1, o texto a seguir será dividido em tópicos conceituais e explanatórios.
OXIGÊNIO E O SISTEMA RESPIRATÓRIO
O oxigênio é de vital importância para o corpo humano, especificamente a cada célula, órgão e sistema do organismo. No caso dos músculos, o oxigênio desempenha um papel fundamental, como segue:
- Produção de Energia: A principal função do oxigênio no corpo é permitir a produção de energia através da respiração celular. Essa energia é essencial para todas as funções corporais, desde o batimento cardíaco até o movimento muscular.
- Remoção de Toxinas: Durante a produção de energia, o corpo produz dióxido de carbono, um subproduto que precisa ser eliminado. O oxigênio auxilia nesse processo, transportando o dióxido de carbono para os pulmões para ser expelido.
- Reparo Muscular: Após o exercício, os músculos sofrem micro lesões. O oxigênio é crucial para o processo de reparo e reconstrução muscular, permitindo que os músculos se tornem mais fortes e resistentes.
- Transporte de Nutrientes: O oxigênio auxilia no transporte de nutrientes para as células musculares, garantindo que elas tenham tudo o que precisam para funcionar de forma eficiente.
O sistema respiratório, através do processo de respiração, é o responsável por alimentar todo nosso oragnismo de oxigênio, elemento tão precioso e responsável por nos manter vivos. A respiração é um processo involuntário e automático que ocorre em duas etapas: Inspiração e Expiração.
Trazendo toda essa questão da respiração para o contexto de um portador de uma miopatia, deve-se destacar que o diafragma é o principal músculo respiratório. O processo respiratório funciona assim:
- Inspiração - quando inspiramos, o diafragma se contrai e se movimenta para baixo, e a parede torácica se expande. Isso puxa o ar para dentro através da boca e do nariz. O ar desce pela traqueia, entra nos pulmões e em pequenos sacos aéreos chamados alvéolos. As paredes dos alvéolos são tão finas que o oxigênio pode atravessar os alvéolos e entrar no sangue. E o sangue por sua vez transporta o oxigênio para todos os nossos órgãos e células, incluindo para todas as nossas CÉLULAS MUSCULARES. O dióxido de carbono também é capaz de se mover do sangue para os alvéolos.
- Expiração - quando expiramos, o diafragma relaxa e sobe, e a parede torácica se move para dentro. À medida que o ar é exalado dos pulmões, o dióxido de carbono deixa o corpo. O DIAFRAGMA nos ajuda a INALAR, e os MÚSCULOS ABDOMINAIS nos ajudam a EXALAR.
RESPIRAÇÃO EM UM INDIVÍDUO COM MIOPATIA
Um indivíduo com miopatia tende ter fraqueza no diafragma e nos músculos abdominais, e essa situação pode dificultar a desobstrução das vias aéreas, pois se torna difícil inspirar profundamente e expirar de forma forte e completa. Se por exemplo um indivíduo com miopatia pega um resfriado, com seus músculos respiratórios enfraquecidos, ele pode desenvolver uma pneumonia. Esse processo inflamatório nos pulmões pode enfraquecer ainda mais os músculos e causar mais problemas na desobstrução das vias aéreas. A parede torácica e o abdômen formam a caixa torácica. Se a parede torácica estiver fraca, durante a inspiração, o tórax pode se movimentar para dentro em vez de se mover para fora. Isso dificulta ainda mais a respiração profunda. À medida que a parede torácica se enfraquece e se movimenta menos, ela também fica rígida. A rigidez da parede torácica torna ainda mais difícil a respiração profunda.
A fraqueza da caixa torácica também pode causar instabilidade da coluna. Isso pode causar uma curvatura na coluna, o que resulta em cifose ou "corcunda" nas costas. Essa instabilidade também pode causar a curvatura lateral da coluna, o que resulta em escoliose. Essas curvaturas podem limitar o movimento da parede torácica durante a respiração, o que dificulta a respiração profunda e resulta em menor volume dos pulmões. Juntos, esses problemas podem levar a uma situação em que os músculos respiratórios não funcionam bem o suficiente para trazer oxigênio para dentro do corpo e eliminar o dióxido de carbono. Isso se chama insuficiência respiratória.
COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS EM UM INDIVÍDUO COM MIOPATIA
Assim como ocorre com outros sintomas nos indivíduos afetados por uma das doenças relacionadas ao RYR-1, a gravidade das complicações respiratórias também varia de indivíduo para indivíduo. Assim, algumas pessoas com doenças relacionadas ao RYR-1 podem não ter problemas. Alguns podem ter problemas leves, mas precisam de auxílio para respirar durante o sono ou quando estão doentes. Em casos graves, alguém com doença relacionada ao RYR-1 pode precisar de ventilação mecânica para respirar. Segue algumas das complicações respiratórias que podem ocorrer incluem:
- Insuficiência Respiratória - A fraqueza dos músculos intercostais e do diafragma pode dificultar a respiração, levando à insuficiência respiratória, especialmente durante o esforço ou em infecções respiratórias.
- Atelectasia - Quadro clínico no qual a totalidade ou parte de um pulmão fica sem ar e entra em colapso. A falta de expansão adequada dos pulmões pode resultar em colapso alveolar (atelectasia), o que pode agravar ainda mais a dificuldade respiratória.
- Infecções Respiratórias - Indivíduos com fraqueza muscular podem ter uma capacidade reduzida de limpar secreções das vias aéreas, aumentando o risco de pneumonias e outras infecções pulmonares.
- Apneia do Sono - A fraqueza muscular pode afetar a capacidade de manter as vias aéreas abertas durante o sono, levando à apneia obstrutiva do sono. A apneia do sono é uma doença grave em que a respiração para repetidamente por tempo suficiente para interromper o sono e, muitas vezes, diminui temporariamente a quantidade de oxigênio e aumenta a quantidade de dióxido de carbono no sangue.
- Hipoventilação - A hipoventilação é a ventilação pulmonar reduzida. Em alguns casos, a hipoventilação pode ocorrer, especialmente em situações de estresse ou durante a noite, resultando em hipoxemia, que é o baixo nível de oxigênio no sangue.
- Dependência de Ventilação Assistida - Em casos mais graves, pode ser necessário o uso de ventilação não invasiva ou invasiva para garantir a oxigenação adequada.
É importante que os indivíduos com Miopatia Congênita Centronuclear sejam monitorados de perto quanto à função respiratória e recebam cuidados multidisciplinares para gerenciar eventuais complicações. O diagnóstico preciso de complicações respiratórias envolve uma variedade de exames que permitem aos médicos avaliar a função pulmonar, iniciando por um exame clínico, raio-x, tomografia computadorizada, teste de função pulmonar (TFP), polissonografia, exames laboratoriais, dentre outros. Uma vez identificado uma complicação respiratória, o tratamento pode incluir fisioterapia respiratória, suporte ventilatório e acompanhamento regular com especialistas em pulmão. E caso o indivíduo, afetado por Miopatia Centronuclear pela mutação no RYR-1, necessite de hospitalização, é importante se ter preventivamente um plano de suporte respiratório e orientação clínica. Na necessidade de uma cirurgia, os médicos deverão adotar precauções para suporte respiratório antes e depois da cirurgia, além de serem alertados sobre a sussetibilidade à Hpertermia Maligna.
ABORDAGENS RESPIRATÓRIAS PREVENTIVA E TERAPEUTICA EM UM INDIVÍDUO COM MIOPATIA¹
Assim como relatado em postagem anterior Abordagem Respiratória na Miopatia Centronuclear (clique aqui) a fisioterapia respiratória é responsável pela minimização dos comprometimentos respiratórios nas miopatias centronucleares, pois interfere na progressão da perda muscular, minimiza as complicações da perda de capacidade pulmonar, mantem a funcionalidade respiratória como fala, deglutição e tosse. Fazem parte das estratégias utilizadas no tratamento:
- Manutenção da capacidade pulmonar por interferência dos componentes elásticos do tórax.
- Os exercícios respiratórios com bolsa de insuflação (ambu) favorecem a geração de volume pulmonar além da capacidade inspiratória normal, e desta forma proporciona a equalização das pressões intratorácicas, estiramento dos músculos da parede torácica, e assim, mantem a mobilidade, evitando assim os efeitos da restrição respiratória provocado pela miopatia. Os exercícios para este objetivo são: capacidade de insuflação pulmonar total / capacidade de insuflação máxima
- Mobilização de tórax, são os exercícios de mobilização torácica que favorecem a manutenção ativa do componente elástico do tórax e do abdome. O estimulo do diafragma proporciona o movimento mais efetivo da base pulmonar.
- Exercícios abdominais. Os músculos do CORE, são fundamentais para favorecer o controle do tronco, e do controle respiratório. É fundamental manter a ativação do core para manutenção da tosse, da capacidade expiratória e da funcionalidade diafragmática
- Manutenção funcional da musculatura bulbar
- Os exercícios com insuflação pulmonar controlada e endurance expiratória proporcionam a movimentação ativa da região supra traqueal, que envolve musculatura retro lingual, músculos da faringe, laringe e movimento do hioide. As realizações destes exercícios requerem um controle de pressão inspiratória e um profissional experiente.
- Treino de tosse – os exercícios para a tosse necessitam de aumento da pressão em região subglótica após a geração da capacidade pulmonar total, eles podem ser realizados com auxílio da bolsa de insuflação (ambu), ou um dispositivo de tosse assistida (máquinas de tosse - cough assist). Indivíduos com capacidade de tosse reduzida se beneficiam do auxílio do dispositivo de tosse assistida (cough assist).
- Treinamento muscular respiratório
- A musculatura respiratória nas miopatias possuem áreas preservadas que necessitam manter a funcionalidade. O caráter benigno das miopatias centronucleares permite a realização de treinos musculares inspiratórios e expiratórios, evitando qualquer treinamento extenuante ou que leve a fadiga muscular, fundamental que os exercícios sejam realizados após avaliação das forças musculares respiratórias
O cuidado respiratório deve ser uma prioridade nos portadores de Miopatia Centronucelar, e o profissional deve ser capaz de identificar a alteração funcional e correlacionar com a melhor terapia a ser aplicada, sendo esta a melhor estratégia para evitar maiores complicações para o paciente.
¹ texto cedido por colaboração da fisioterapeuta Alessandra Dorça do Instituto Alessandra Dorça @institutoaledorca