Na última postagem entitulada, A Importância das Intervenções No Estilo de Vida Para Controle Dos Sintomas da Miopatia Congênita Centronuclear, fiz uma abordagem sobre a importância das condutas multidisciplinar e individualizada, focada na reabilitação e no suporte contínuo para otimizar a funcionalidade e o bem-estar. Esse estilo de vida, seria sustentado por um tripé de condutas, sintetizado no Controle de Stress, Nutrição, e Atividade Física.
Seguindo essa linha de entendimento, gostaria de compartilhar com o leitor sobre minha experiência pessoal, enquanto portador de Miopatia Congênita Centronuclear causada pela mutação genética no RYR-1 com herança autossômica recessiva, com o acompanhamento nutricional que faço com a Dra Victoria Pitombo. Como tanto, segue as gentis palavras da Dra Victoria sobre nossa relação enquanto paciente, e logo a seguir você verá um estudo, base do trabalho aplicado no meu programa nutricional e de suplementação.
" Desde o início do nosso acompanhamento, o que mais me marca no Orlando é o comprometimento real que ele tem com a própria saúde. A nossa relação vai muito além de prescrições: é uma parceria construída com confiança, escuta e respeito por um corpo que exige atenção minuciosa devido à Miopatia Congênita Centronuclear. Cada ajuste que eu faço, desde a ingestão proteica até orientações de digestão e hidratação, tem um propósito maior: proteger sua musculatura, preservar funcionalidade, reduzir estresse oxidativo e garantir mais autonomia e qualidade de vida para ele.
Ao longo desses meses, construímos uma nutrição precisa e totalmente personalizada: calorias calibradas para preservar massa muscular e reduzir gordura abdominal, além de suplementos escolhidos para otimizar função neuromuscular sem gerar desconforto gastrointestinal. Tudo específico para o Orlando. Ver a evolução dele, melhora da autoestima, engajamento e confiança no processo (que ainda temos muito pela frente!) é uma das partes mais gratificantes do nosso trabalho juntos. " Dra Victoria Pitombo
NOTA IMPORTANTE: O estudo apresentado a seguir deve ser entendido como elemento de base científica, portanto, o programa de nutrição e suplementação para cada indivíduo deve ser altamente individualizado e baseado na avaliação clínica, estado nutricional atual e exames laboratoriais. Para garantir segurança e eficácia, as intervenções nutricionais e a suplementação devem ser sempre orientadas e conduzidas por um médico e um nutricionista especializados ou com conhecimento em doenças neuromusculares.
Dra. Victoria C. Pitombo - CRN 58214
℘ Nutricionista especializada a nível de Residência em doenças crônicas pelo Hospital do Coração (Hcor)
℘ Nutricionista Funciona(VP), Esportiva e com especialidade em Obesidade (USP)
Nutrição e Suplementação na Miopatia Congênita Centronuclear Associada à Mutação no Gene RYR1: Evidências Atuais e Considerações Clínicas
As miopatias relacionadas ao gene RYR1 englobam o grupo mais prevalente de miopatias congênitas, incluindo fenótipos como miopatia centronuclear. A mutação compromete a função do receptor rianodina, responsável pela liberação controlada de cálcio intracelular durante a contração do músculo. Como resultado, observam-se fraqueza de predomínio proximal, fadiga rápida, intolerância ao exercício, risco maior de hipertermia maligna e, em muitos casos, comprometimento respiratório.
Embora ainda não exista uma cura, percebe-se consenso crescente de que intervenções nutricionais e suplementação direcionada desempenham um papel importante no tratamento das miopatias. Isso inclui uma melhora na preservação da função muscular, na proteção óssea e na modulação do estresse oxidativo, todos aspectos centrais na fisiopatologia dessa condição.
1. Fundamentos do manejo nutricional
Adequação energética e composição corporal
Pacientes com miopatias congênitas apresentam gasto energético variável, podendo evoluir com desnutrição ou excesso de peso. Ambos são prejudiciais à função muscular e respiratória. Assim, a ingestão energética deve ser individualizada, sempre com foco na preservação da massa magra.
Proteína e estímulo anabólico
A literatura mostra que em doenças neuromusculares a ingestão proteica deve ser 1,2–1,5 g/kg/dia, distribuída ao longo do dia. Para alguns pacientes, pode-se extrapolar a ingestão para até 2g/kg/dia.
A distribuição da proteína ao longo do dia (em no mínimo 4 refeições), otimiza a síntese proteica muscular e reduz períodos de catabolismo, especialmente importante em indivíduos com fadiga crônica e menor resposta anabólica.
2. Suplementação baseada em plausibilidade fisiológica e evidência
Creatina Monohidratada
A creatina possui o potencial de aumentar a disponibilidade de fosfocreatina e melhora a ressíntese de ATP, mecanismo útil em condições que cursam com fadiga muscular rápida. Ensaios clínicos em outras doenças neuromusculares demonstram melhora modesta, mas consistente, na força e na resistência.
Dose usual: Em pacientes com Miopatia congênita centronuclear, o ideal é calcular a dose por kg de peso. Exemplo: Se o paciente pesa 67kg ele deve consumir 67kg x0,1 = 6.7g de creatina por dia.
Leucina
A leucina ativa a via mTOR, estimulando a síntese proteica muscular que é um processo frequentemente diminuído em miopatias com limitação funcional.
Na maioria das vezes, só o suporte de leucina via alimentos não é suficiente, então é interessante suplementar. Dose utilizada em estudos: 2–3 g junto com as refeições principais 2 a 3x por dia, dependendo do paciente. Ou, o paciente pode consumir a leucina 1x ao dia no período noturno.
N-acetilcisteína (NAC)
O estresse oxidativo é um dos mecanismos envolvidos na disfunção do RYR1. A NAC é precursora de glutationa e moduladora do sistema redox. Ensaios clínicos mostram segurança, embora os efeitos em marcadores oxidativos sejam variáveis.
Dose usual: 600–1200 mg/dia.
Outros antioxidantes relevantes
O desequilíbrio redox presente em mutações do RYR1 motiva o uso de antioxidantes adjuvantes:
- Coenzima Q10: participa da fosforilação oxidativa; pode reduzir fadiga.
Dose: 100–200 mg/dia. - Vitaminas C e E: atuam na neutralização de radicais livres e proteção de
membranas. Doses variam. - Resveratrol: estudado em modelos experimentais; plausível, porém ainda
sem tanta robustez clínica em RYR1. Doses variam.
Vitamina B12
A deficiência de B12 agrava fadiga, fraqueza e neuropatia, podendo intensificar limitações motoras já presentes.
Indicação: quando há deficiência documentada ou fatores de risco.
Doses usuais: 500–1000 mcg/dia (oral) ou protocolo IM médico.
Vitamina D e Cálcio - papel central para músculo e osso
Vitamina D
Há maior prevalência de deficiência de vitamina D em doenças neuromusculares, associada a redução da força, pior função respiratória e menor densidade óssea.
A suplementação e doses deve ser guiada por dosagem sérica (25-OH).
Cálcio
Por que o cálcio é tão importante nesses pacientes ?
O cálcio é o íon mais importante da contração muscular e justamente o elemento cuja movimentação é regulada através do receptor rianodina (RYR1). Em pacientes com mutações nesse gene, ocorrem algumas alterações no fluxo de Ca²⁺, como liberação excessiva ou dificuldade de recaptura, contribuindo para: fadiga precoce;maior risco de dano estrutural das fibras; dificuldade de relaxamento muscular e piora de sintomas ao esforço.
Além disso, muitos pacientes apresentam baixa densidade mineral óssea devido à imobilidade, baixa massa muscular, ingestão reduzida ou pouca exposição solar. Assim, o cálcio torna-se essencial tanto para a função muscular quanto para a prevenção de osteopenia e fraturas, que impactam diretamente mobilidade e autonomia.
Recomendações gerais:
- garantir 1000–1200 mg/dia via dieta;
- suplementar quando a ingestão for insuficiente;
- associar sempre à vitamina D adequada.
L-Tirosina
A L-tirosina é precursora de catecolaminas e pode modular aspectos de vigília, foco e tolerância ao esforço, elementos frequentemente prejudicados em miopatias crônicas. Estudos sugerem benefício potencial em quadros de fadiga central.
Dose usada em protocolos clínicos: 500–2000 mg/dia.
Considerações finais
Embora a miopatia centronuclear por mutação no RYR1 não possua ainda um tratamento curativo, o manejo nutricional adequado e a suplementação estratégica apresentam papel importante no suporte à função muscular, no controle do estresse oxidativo, na proteção óssea e na melhoria da capacidade funcional diária.
Intervenções como adequação proteica, creatina, leucina, vitamina D e cálcio, NAC, antioxidantes, vitamina B12 e L-tirosina possuem fundamentos fisiológicos consistentes e vêm sendo incorporadas progressivamente à prática clínica, sempre de forma individualizada e integrada ao acompanhamento multiprofissional.


